OESP, Economia, p. B2
Autor: BUAINAIN, Antônio Márcio
09 de Set de 2008
Brasil interditado
Antônio Márcio Buainain
Tensões entre desenvolvimento e meio ambiente são permanentes e inevitáveis e se vêm traduzindo num marco institucional cada vez mais rigoroso que busca preservar a Natureza, mas que muitas vezes tem ignorado a realidade que pretende proteger.
O Brasil é sempre citado pela abundância de recursos naturais e pela grande disponibilidade de terras para ampliar a produção de alimentos e energia, realizar uma reforma agrária sem os conflitos do modelo atual baseado na desapropriação, criar novas cidades nas fronteiras e construir obras de infra-estrutura necessárias para o desenvolvimento. Certo? Não! Estudo da Embrapa Monitoramento por Satélite, sobre o alcance da legislação territorial, assinado por Evaristo Miranda, chefe-geral da unidade, revela um país interditado e que vive em grande medida na ilegalidade. "A rigor, em termos legais, apenas 7% do bioma da Amazônia e 33% do País seriam íveis de ocupação econômica urbana, industrial e agrícola." O fato é que nos esquecemos de levar em conta que, "um número significativo de áreas foi destinado à proteção ambiental e ao uso territorial exclusivo de populações minoritárias".
O estudo subestima a disponibilidade de terras, pois contabiliza apenas as terras indígenas, as áreas de conservação federal e estaduais e parte das áreas de preservação permanente, deixando de fora as áreas de conservação municipais, as reservas particulares de patrimônio natural, as áreas de proteção ambiental de Estados e municípios e as reservas especiais. O estudo também não contabiliza as terras já ocupadas por cidades e as obras de infra-estrutura.
A análise da disponibilidade de terras por Estado mostra uma situação ainda mais restritiva. Na Região Norte a disponibilidade de terras não a de 11%. A rigor, aí "deveriam estar capitais, cidades e vilarejos, áreas de agricultura, indústrias, todas as obras de infra-estrutura, incluindo as do PAC, e boa parte de seus quase 25 milhões de habitantes".
Nos Estados do Centro-Oeste, onde hoje se concentra a fronteira mais dinâmica de expansão dó agronegócio, o único que dispõe de terras para ocupar é Goiás. Segundo a estimativa da Embrapa, Mato Grosso do Sul dispõe de 200 mil km2 para ocupação, em torno dê 57% da área do Estado. Parece alto, mas os dados preliminares do Censo Agropecuário revelam que em 2007 as áreas de lavoura e pecuária j à superavam 210 mil km2. Aparentemente os Estados da Região Nordeste, com disponibilidade de terras acima de 70%, estão em situação melhor. Outro engano, já que, embora a legislação ambiental-territorial não imponha restrições para a ocupação do semi-árido, aí se encontra a maior parte da área de 1.338.076 Km2 que o Plano de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAN) considera seriamente ameaçada de desertificação. O bioma da Amazônia atrai mais atenção da mídia internacional, mas a situação do semi-árido é mais grave, até porque a densidade populacional e a pobreza elevada exercem forte pressão sobre o frágil ecossistema da caatinga. Esses números indicam a necessidade de rever tanto a legislação como o modelo de expansão horizontal da fronteira.
A tradição no Brasil é de ignorar as leis que afrontam a realidade e ou as que são inconvenientes para os interesses de grupos particulares. Dizia-se que a lei "não pegou" e nada acontecia. Felizmente essa situação de impunidade vem mudando nos últimos 20 anos e, aos poucos, entre acertos e erros, a democracia, como regime da lei, vai se impondo.
Hoje, o desrespeito às leis -sejam elas válidas ou não - pode ter custos privados e sociais elevados. As instituições públicas, tão ineficientes para prestar serviços a que os cidadãos têm direitos e pelos quais pagam caro, têm sido cada vez mais eficazes quando se trata de arrecadar recursos e de punir por alguns "crimes", entre eles o ambiental.
As multas, que em geral precisam ser pagas para serem questionadas, continuam indexadas e crescem enquanto se discute sua validade. A morosidade da Justiça retira do cidadão o único instrumento que ele tem para se proteger do próprio Estado. Isso significa que já não é possível aprovar leis e normas, portarias, etc., sem antes avaliar suas reais conseqüências para os cidadãos e para a sociedade em geral. Uma legislação ruim contribui pouco ou nada para alcançar os objetivos a que se propõe, mas pode pôr milhões de cidadãos na ilegalidade e interditar o processo de desenvolvimento.
Antônio Márcio Buainain é professor do Instituto de Economia da Unicamp. E-mail: [email protected]
OESP, 09/09/2008, Economia, p. B2
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