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Como o 'PL da Devastação' destrói a Política Nacional de Meio Ambiente

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08 de Jun de 2025

Como o 'PL da Devastação' destrói a Política Nacional de Meio Ambiente
O avanço do projeto de lei tem representado uma ameaça às diretrizes do PNMA ao flexibilizar licenças e dispensa de estudos de impacto ambiental

Dindara Paz
8 de junho de 2025

Era agosto de 1981 quando o Brasil assumia o compromisso de adotar uma gestão ambiental alinhada com o desenvolvimento socioeconômico. O país ainda estava na ditadura militar quando uma lei federal implementou a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA).

Estabelecida pela lei no 6.938, a PNMA define princípios como a proteção dos ecossistemas e de áreas ameaçadas de degradação, incentivos a pesquisas na área ambiental, além do controle e demarcação de atividades potencial ou efetivamente poluidoras.
Após 43 anos, no final de maio deste ano, o Senado aprovou o Projeto de Lei (PL) no 2.159/2021, que é uma ameaça às diretrizes dessa política. Isso porque o projeto flexibiliza licenças e dispensa obras de estudos de impacto ambiental para realização de obras no país, segundo apontam especialistas.

O texto do PL, apelidado por ativistas e ambientalistas como "PL da Devastação", segue para avaliação na Câmara dos Deputados. Defensores do projeto argumentam que sua aprovação teve como objetivo 'destravar' o desenvolvimento econômico do país de modo alinhado à proteção ambiental.

"O Congresso não quer fazer mais leis. Quer fazer leis melhores! Leis que destravem o presente e preparem o futuro do nosso país, com responsabilidade ambiental, desenvolvimento social e compromisso com as próximas gerações", disse o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, durante a votação na Casa em 28 de maio.
O problema da Licença por Adesão e Compromisso

Um dos pontos mais críticos do projeto é a implementação da Licença por Adesão e Compromisso (LAC), que permite a autodeclaração pelas próprias empresas nos processos de licenciamento ambiental.

Para a pesquisadora do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas (FGVces), Carina Sernaglia, o impacto do PL na PNMA é porque a lei irá priorizar interesses políticos e econômicos em detrimento da proteção do meio ambiente.

"Ao flexibilizar exigências e dispensar processos detalhados de análise, o PL ignora princípios fundamentais da PNMA, como planejamento e fiscalização do uso de recursos ambientais. O projeto também contraria os princípios de prevenção e precaução do direito ambiental", comenta a especialista.

Sernaglia ressalta que a medida também viola a Constituição, que prevê ações de preservação e direitos ao meio ambiente.

Instrumentos da PNMA, como o Ibama, ICMBio, Conselho Nacional do Meio Ambiente, além dos conselhos estaduais e municipais do Meio Ambiente, têm como responsabilidade a análise, monitoramento, proteção e controle das áreas ambientais preservadas.

No entanto, pesquisadores apontam que o "PL da Devastação" põe em risco a autonomia desses órgãos. Isso porque permite que a fiscalização dos impactos ambientais esteja na mão das próprias empresas.

Para Marco Antônio Chagas, professor da Universidade Federal do Amapá e especialista em gestão de áreas protegidas, o PL representa um "retrocesso ambiental e à democracia".

"O licenciamento ambiental é um dos instrumentos mais importantes da Política Nacional de Meio Ambiente. O PL 2.159/21 flexibiliza o licenciamento ambiental. Com isso, atividades que deveriam ser submetidas a estudos ambientais ficam desobrigadas a esses estudos e à realização de audiências públicas", avalia o especialista.
Racismo Ambiental

Primeira vereadora quilombola de Salvador e ativista da defesa do meio ambiente, Eliete Paraguassu é um dos principais nomes na luta contra o avanço das indústrias químicas na Ilha de Maré. Esse território fica na Baía de Todos-os-Santos, considerada a maior baía do Brasil e a segunda maior do mundo.

Há mais de dez anos, a região sofre com uma série de violações devido à alta concentração de poluentes derivados das indústrias instaladas na localidade.

Dentre os pontos críticos do projeto, a retirada da autonomia dos órgãos e conselhos deliberativos enfraquecem os mecanismos de participação social. São eles que permitem que União, estados e municípios tomem decisões mais democráticas sobre os impactos ambientais.

À Alma Preta, a parlamentar avalia que o avanço do PL abre espaço para a instalação de mais empreendimentos sem consulta nem diálogo com as comunidades.

"Como mulher negra, marisqueira e quilombola, que coloco meu corpo na lama desde que nasci, sei o que significa depender da natureza para sobreviver. Para nós, que vivemos do território, isso significa mais contaminação, mais doenças, mais violações e menos direitos. O que está em jogo é a nossa saúde, nossa cultura e nossa sobrevivência", afirma Paraguassu.

"Com o PL aprovado, empreendimentos podem se instalar em nossos territórios sem nem sequer conversar com a gente. Isso para nós é racismo ambiental institucionalizado", completa a vereadora.

Dados do Instituto Socioambiental (ISA) estimam que a proposta põe em risco cerca de 259 terras indígenas, mais de 1,5 mil territórios quilombolas e 1,1 mil unidades de Conservação estaduais e federais. Isso porque o PL limita o licenciamento para territórios que ainda estão em processo de titulação.

"É inegável que o PL da Devastação representa mais uma ameaça direta à saúde e à sobrevivência das comunidades tradicionais da Bahia. Entre elas estão as da Ilha de Maré, que enfrentam há décadas os efeitos devastadores da poluição causada por indústrias químicas e petroquímicas. Elas contaminam nosso território com metais pesados. Há anos, sentimos na pele o que é viver cercado por indústrias que envenenam a água, o ar e o solo", explica a vereadora.
Pontos críticos

Uma das obras em vista com uma possível aprovação do PL é a exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas, região Norte do país.

De acordo com o governo federal, a extração deve gerar 10 bilhões de barris de petróleo da área conhecida como Margem Equatorial. A região se estende-se da foz do rio Oiapoque ao litoral norte do Rio Grande do Norte.

A medida fragiliza os princípios de prevenção e precaução do direito ambiental previstos na Política Nacional do Meio Ambiente, segundo Sernaglia.

"Ao fragilizar a PNMA, o projeto também viola o artigo 225 da Constituição Federal, que assegura a todos o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum, exigindo ações efetivas para preservá-lo", ressalta Sernaglia.
Como reverter a aprovação do 'PL da Devastação'

Especialistas ouvidos pela Alma Preta apontam caminhos para reverter a política, que agora tramita para análise final na Câmara dos Deputados.

"É necessário questionar dispositivos que violam a Constituição Federal, como a limitação da participação social. Além disso, deve-se levar denúncias a organismos internacionais, como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e a ONU. Paralelamente, é crucial avançar em propostas alternativas", destaca a pesquisadora Carina Sernaglia.

Para a vereadora quilombola Eliete Paraguassu é preciso denunciar e ampliar a discussão sobre o PL dentro das comunidades.

"É hora de todo mundo se unir. Precisamos entender nosso território como sujeito de direitos e cobrar que ele seja protegido dessa política de morte disfarçada de 'desenvolvimento'", defende Paraguassu.

Já o professor e pesquisador Marco Antônio vê como importante um posicionamento institucional contra o projeto.

"O primeiro o é o presidente Lula se manifestar contra o PL 2.159/21 e declarar apoio à ministra Marina Silva. Entretanto, o mais importante é a manifestação da sociedade. É ir às ruas e se posicionar contra o PL da Devastação", destaca Marco Antônio Chagas.

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